segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CONFIDÊNCIA


Diz o meu nome

pronuncia-o

como se as sílabas

te queimassem os lábios

sopra-o com a suavidade

de uma confidência

para que o escuro

apeteça

para que se desatem os teus cabelos

para que aconteça

Porque eu cresco para ti

sou eu dentro de ti

que bebe a última gota

e te conduzo a um lugar

sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos

sou gesto e cor

e dentro de ti

me recolho ferido

exausto nos combates

em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável

procura o interior e o avesso

da aparência

porque o tempo em que vivo

morre de ser ontem

e é urgente inventar

outra maneira de navegar

outro rumo outro pulsar

para dar esperança aos portos

que aguardam pensativos

No húmido centro da noite

diz o meu nome

como se eu te fosse estranho

como se fosse intruso

para que eu mesmo me desconheça

e me sobressalte

quando suamente

pronunciares o meu nome



Mia Couto



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