sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Trigo e papoilas

Ontem numa das minhas caminhadas habituais, deparei-me com uma papoila...
Fui momentaneamente invadida pelos cheiros de infância...um dos meus preferidos, a seguir a bolos quentes (que me lembra o calor do lar), o cheiro da Natureza.
Quando caminhava e cantarolava, perdida na minha alegria de criança que nunca foi compreendida, não seguia a estrada que me aconselhava a minha mãe; se é verdade que não tinha uma capa com capuchinho vermelho, não menos verdade é que deveria ter evitado certos atalhos que me conduziram à boca do lobo...mas adiante...
Perdia a noção do local, do tempo, somente inundada pelo cheiro do trigo com papoilas, das ervas tenras, dos sons dos gafanhotos que saltavam à frente dos meus pés, do chilrear nas árvores, a água das levadas em dia de rega.
Cantava e corria e perdia-me na minha felicidade incompreendida.
Aparecia em casa horas mais tarde, atrasada, suja, rota e feliz...e não eram as reprimendas e tareias que me impediam de ser sempre feliz, percorrer sempre os mesmos caminhos, perder-me sempre nos mesmos lugares...
Tinha os meus amigos...a Catarininha, uma velhota com dificuldades de locomoção que eu passava a correr à porta e sempre tinha uma palavra para mim, mesmo que não me visse (já conhecia os meus passos).
As cabrinhas e os porcos de todos os vizinhos a quem «invadia» os quintais e poios.
O Sr. Luís que me protegia de cada vez que, após ir buscar o leite fresco e brincar com as vasilhas voltava a encher o que eu tinha derramado, e me ensinava todos os procedimentos diários do seu trabalho; eu conhecia cada vaquinha pelo nome e ficava também esquecida do tempo a vê-las a correr quando eram postas lá fora.
Os vizinhos que passavam à porta e me levavam às cavalitas até suas casas.
A Rosinha, a minha madrinha velha, e o Manelinho, que me fez um banquinho de madeira no qual eu nunca me sentava por mais de dois segundos de cada vez...mas a quem visitava todos os dias.
A Tita Lurdes, a única ainda viva mas que eu nunca vejo pois o tempo apagou a nossa ligação, mas que nos primeiros anos da minha vida me mimava e desfazia o que a minha mãe me tentava ensinar...protegia de cada vez que eu me portava mal e escondia para não ser castigada.
Passaram tantas imagens na minha mente, apenas porque num fim de tarde de inverno, com cheiro a primavera precoce, encontrei uma pequena papoila.
Sim, fui sempre uma criança muito feliz, e agora percebo o porquê do que naquela época chamaram de mau comportamento...vivia como devemos viver, em comunhão com a natureza, com amor por todos os seres vivos, com uma alegria no coração, com inocência, eu era feliz comigo mesma; voltei a adquirir alguns desses hábitos e sou feliz quando estou com a minha Mãe Terra.

Trapalhonazinha

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