«“Havia um ar estranho: a revolução inesperada arrastara o adversário, tudo era permitido, a felicidade coletiva era desenfreada.” - Antonio Negri
“1968” foi o ano louco e enigmático do nosso século. Ninguém o previu e muito poucos os que dele participaram entenderam afinal o que ocorreu. Deu-se uma espécie de furacão humano, uma generalizada e estridente insatisfação juvenil, que varreu o mundo em todas as direções. Seu único antepassado foi 1848 quando também uma maré revolucionária - a “ Primavera dos Povos” -, iniciada em Paris em fevereiro, espalhou-se por quase todas as capitais e grandes cidades da Europa, chegando até o Recife no Brasil.
O próprio filósofo Jean-Paul Sartre, presente nos acontecimentos de maio de 1968 em Paris, confessou, dois anos depois, que “ainda estava pensando no que havia acontecido e que não tinha compreendido muito bem: não pude entender o que aqueles jovens queriam...então acompanhei como pude...fui conversar com eles na Sorbone, mas isso não queria dizer nada” (Situations X).
A dificuldade de interpretrar os acontecimentos daquele ano deve-se não só à “multipla potencialidade do movimento”como a ambiguidade do seu resultado final. A mistura de festa saturnal romana com combates de rua entre estudantes, operários e policiais, fez com que alguns, como C.Castoriaditis, o vissem como “uma revolta comunitária” enquanto que para Gilles Lipovetsky e outros era “a reinvidicação de um novo individualismo.”
Tornou-se um ano mítico porque “1968” foi o ponto de partida para uma série de transformações políticas, éticas, sexuais e comportamentais, que afetaram as sociedades da época de uma maneira irreversível. Seria o marco para os movimentos ecologistas, feministas, das organizações não-governamentais (ONGs) e dos defensores das minorias e dos direitos humanos. Frustrou muita gente também. A não realização dos seus sonhos, “da imaginação chegando ao poder”, fez com que parte da juventude militante daquela época se refugiasse no consumo das drogas ou escolhesse a estrada da violência, da guerrilha e do terrorismo urbano.
“1968” foi também uma reação extremada, juvenil, às pressões de mais de vinte anos de Guerra Fria. Uma rejeição aos processos de manipulação da opinião pública por meio dos mass-midia que atuavam como “aparelhos ideológicos” incutindo os valores do capitalismo, e, simultaneamente, um repúdio “ao socialismo real”, ao marxismo oficial, ortodoxo, vigente no leste Europeu, e entre os PCs europeus ocidentais, vistos como ultrapassados.
Assemelhou-se aquele ano aloucado a um calidoscópio, para qualquer lado que se girasse novas formas e novas expressões vinha a luz. Foi uma espécie de fissão nuclear espontânea que abalou as instituições e regimes. Uma revolução que não se socorreu de tiros e bombas, mas da pichação, das pedradas, das reuniões de massa, do autofalante e de muita irreverência. Tudo o que parecia sólido desmanchou-se no ar.»
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